sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Atriz cajazeirense Marcélia Cartaxo brilha na Produção Cearense “Pacarrete”

Depois de arrebatar oito Kikitos no 47º Festival de Cinema de Gramado, o filme “Pacarrete” de Allan Deberton foi o escolhido para encerrar a programação do 29º Cine Ceará. Foi a segunda exibição no Brasil e a primeira em solo cearense. O público presente à exibição assistiu maravilhado ao desempenho da atriz paraibana Marcélia Cartaxo, que interpreta a personagem título.

Inspirado em fatos reais, o longa-metragem foi praticamente todo filmado no município de Russas, onde a verdadeira Pacarrete – Maria Araújo Lima (1912-2005)- nasceu e se criou. Coincidentemente, é a terra natal do diretor e da atriz Débora Ingrid, que também atua no longa-metragem. Segundo Deberton, Pacarrete era sua vizinha e ele tentou colocar na tela todas as lembranças da época, do lugar, de quando ouviu falar dela pela primeira vez. “Tornou-se um filme movido por uma locomotiva de sensações”, explica.

Sensações e emoções para ser mais preciso. Já que o primeiro longa-metragem de Allan Deberton foca parte da vida de uma mulher, que na juventude foi uma gabaritada professora de ballet, em Fortaleza, mas que agora, na velhice, é tida como louca pelos seus conterrâneos, por querer seguir com o sonho de continuar dançando e levar a arte clássica para o povo. Além disso, ela causa estranheza  por inserir em suas conversas, várias palavras e frases em francês- seu apelido “Pacarrete” é o equivalente francês para “margarida”. Convivendo com a irmã Chiquinha (Zezita Matos) e contando com a ajuda de Maria (Soia Lira), com quem tem atritos constantes, a bailarina alterna momentos de devaneios com lucidez.

Os momentos em que se encontra absorta em suas lembranças, reforça o desejo de Pacarrete em retornar aos palcos e apresentar um solo de dança. A possibilidade surge quando a secretária de cultura de Russas (Samya de Lavor) decide realizar uma grande festa para comemorar os 200 anos da cidade. Pacarrete quer se apresentar durante a festa, mas sofre resistência da secretária que não valoriza sua arte.

Quem apoia suas ideias é o comerciante Miguel (João Miguel) que tem um afeto especial pela bailarina. Esta por sua vez, nutre uma paixão platônica por Miguel, que apesar de casado, não se furta de ajudá-la nas horas mais difíceis. Pacarrete “é forte como um mandacaru” e não desiste, apesar das adversidades que a vida lhe reserva. Ao final, o longa-metragem deixa uma mensagem positiva para aqueles que acreditam nos seus sonhos e resistem ao sistema conservador e intolerante. Mais atual, impossível.

O cineasta Allan Deberton estreia muito bem no seu primeiro longa-metragem. O primeiro ponto a ser elogiado é o elenco. A escolha de Marcélia Cartaxo para viver a protagonista é mais que acertada. Sua Pacarrete tem uma voz gutural e é meio ranzinza- características que poderiam, facilmente, causar uma antipatia no público-, no entanto, sua fragilidade e sua elegância nos gestos, sempre vestida impecavelmente, causam um efeito inverso: o de automática empatia do público. Para compor a personagem da forma como o diretor imaginou no roteiro, Cartaxo teve aulas de piano, ballet e francês na fase de pré-produção. As coreografias ficaram a cargo de Fauller Freitas e Wilemara Barros.

Poucas semanas antes de começar as filmagens, entrou em ação o preparador de elenco Christian Duurvoort que trabalhou com  Marcélia e os outros atores. Aliás, a experiente atriz paraibana, com mais de 40 trabalhos audiovisuais realizados, só não está em cena em alguns momentos em que é substituída pela sua dublê, a bailarina Wilemara Barros. Fora isso, a câmera do fotógrafo Beto Martins flagra toda a emoção da protagonista em seus mínimos detalhes (com closes potentes) e explora de forma inteligente a relação de Pacarrete com sua casa que funciona como um verdadeiro refúgio e com o mundo exterior (seus passeios pela cidade, vestida com as criações inventivas da figurinista Chris Arruda, são um espetáculo à parte).

Os atores coadjuvantes também estão no mesmo diapasão da protagonista. De Débora Ingrid- que faz uma rápida participação, como recepcionista da secretária de cultura- a João Miguel (premiado com o Kikito de Ator Coadjuvante), de Zezita Matos a Soia Lira (também vencedora do Kikito de Atriz Coadjuvante), todos estão afinados com a proposta da história, equilibrando momentos mais dramáticos com outros mais pitorescos.

O roteiro, assinado por Andrea Araújo, Allan Deberton, Samuel Brasileiro e Natália Maia, consegue envolver rapidamente o espectador não só pela rica construção da personagem, como pela narrativa tragicômica na medida, que termina com uma sequência sublime e bastante eficaz.  A direção de arte de Rodrigo Frota merece também destaque, pela minúcia das ambientações apresentadas e a atmosfera memorialística criada a partir do mobiliário, e dos objetos cênicos. A trilha sonora é um achado também. Além das composições intimistas de Fred Silveira é possível também ouvir temas clássicos internacionais cantados em francês e inglês. A cena embalada por Tina Turner interpretando “We Don’t Need Another Hero”  é antológica.

Produzido com pouco mais de R$ 1 milhão de reais, “Pacarrete” só deve estrear no circuito comercial em março de 2020. Até lá, o filme de Allan Deberton será exibido em alguns festivais nacionais e internacionais. Em tempos sombrios, onde o Governo Federal tem como lema a destruição da ANCINE e a censura às artes, o cinema brasileiro/nordestino responde com obras promissoras e revigorantes como “Pacarrete”.


Fonte: bangalocult.com.br

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